9 de dez. de 2007

A mulher invisível

Salvador Shopping. Foto: Fabricio Kc - no Flickr

Os shoppings centers são lugares conceituais. Basta dizer ‘vou ao shopping’, assim, intransitivamente, porque são todos iguais.

Numa de minhas idas ‘ao shopping’ - experiências quase sempre traumáticas - observei, enquanto tomava um café, o trabalho dos homens e das mulheres que fazem a limpeza das praças de alimentação. Atentei para uma mulher de seus, talvez, trinta e tantos anos, de uniforme, pano na mão e toca na cabeça. Elas transitam fantasmagoricamente por entre as mesas, recolhem o lixo deixado pelos ‘consumidores’, passam o pano sobre a mesa e saem, sem trocar palavra com ninguém somem por entre outras mesas. Olhei em volta e percebi que somente eu a enxergava - depois soube que estava enganado.

Soube, da boca da trabalhadora que se via como faxineira, que é proibida qualquer aproximação entre ela e qualquer ‘consumidor’, - ela é treinada para passar despercebida, ignorada, desconhecida. - É uma regra capital, a primeira coisa que aprendem. Contudo, como eu disse, meus olhos não eram os únicos a segui-la em suas incursões discretas por entre as mesas. Segundo ela, há seguranças cuja função, entre outras coisas, é vigiá-las, garantir que elas cumpram a sua função de ‘mulheres invisíveis’ que limpam o ambiente.

Para mim, as sensações que esses pensamentos ensejam são múltiplas e variadas, ligadas às formas de existência obtusas que a sociedade impõe à humanidade. Resumo, porém, a questão a um sentimento acerca do trabalho: durante séculos a classe detentora do poder pregou a dignidade do trabalho como forma de aplacar os pobres, e acabou, ela mesma, acreditando em sua doutrina, ainda que não a praticasse sob as mesmas condições dos mais pobres. Daí provém uma romantização do trabalho e uma demonização do ócio como pai de todos os vícios. Mas na realidade mais simples e imediata, os trabalhadores encaram o trabalho como deve ser encarado, uma forma de ganhar a vida, e é do lazer que retiram, aí sim, a felicidade que a vida lhes permite desfrutar. E nos shoppings centers, onde tudo é um cenário, é proibido lembrar aos trabalhadores que estão lá em busca de lazer, que existem trabalhadores que estão lá em busca de sobrevivência. Não se pode estragar o espetáculo!

Por Fabricio Kc

2 comentários:

Anônimo disse...

É interessante como muitos trabahadores são obrigados a se excluir socialmente, se tornar "invisíveis", é o politicamente correto. Se alguém puxar papo com elas, tratando-as de forma mais humana, nao são robôs afinal, corre o risco de estar decretando sua demissão. É uma boa discussão, e daria um bom vídeo, filmar ela no serviço e na folga, no mesmo local enquanto consumidora. Um programa de TV aberta já fez algo parecido, com os funcionários da limpeza pública - os garis, inclusive com um ator global, galan, creio que foi o "Giane" vestido como tal tabalhador, e poucos olhavam pra ele. Muitos que trabalham em funcões correlatas, também fazem questão de não ser vistos por se envergonhar do cargo. A discussão é longa. Parabéns pela observação e pelo texto, que tenhamos olhos que vejam e que enxerguem.

Laísa disse...

Me fez lembrar um fato que sempre me ocorria quando eu encontrava, pelas ruas de Jequié, uma senhora que passava as madrugadas vendendo amendoim pelos bares da cidade. Bom, não vou entrar em detalhes, pois vai parecer ridículo da minha parte...mas gostei muito do texto, pois me fez lembrar as tantas senhoras trabalhadoras que eu topo por aí e que sempre me dão uma reação um tanto......sei lá.... não dá pra exlicar.